mercredi 15 mars 2017

Criminalização do Aborto em Angola



Os legisladores do meu país estão no século XIX. No Código Penal Português de 1886 (o que estava em vigor em Angola), estão previstas excepções à criminalização do aborto. No texto que deve ir a aprovação dia 23 de Março de 2017, essas excepções (já insuficientes, a meu ver), DESAPARECERAM. É CRIME, ponto.
Eu, como homem, não me arrogo o direito de impor a qualquer mulher o que ela deve ou não deve, pode ou não pode fazer com o seu corpo. Acho que o aborto é um procedimento suficientemente traumatizante para qualquer mulher que se veja obrigada a recorrer à prática, para que se venha CRIMINALIZAR por cima de tudo.
Ninguém aborta por desporto, nem por moda, muito menos por capricho. As circunstâncias que levam qualquer mulher a decidir pôr termo a uma vida que ainda não teve a sua chance são por demais pesadas, devemos apoiá-las, mas acima de tudo devemos fazer o máximo de prevenção, para que seja NECESSÁRIO o menos possível. Que tipo de prevenção se pode fazer pra prevenir o aborto?
- INFORMAÇÃO. Num país com uma esmagadora maioria da população analfabeta, é necessário que a mensagem seja transmitida. A contracepção pode parecer "uma evidência" para quem tem uma vivência urbana, mas Angola não são os bairros urbanos de Luanda. Sem educação sexual, planeamento familiar e disponibilização de meios contraceptivos adequados a preços abordáveis, vamos continuar à deriva.
- EDUCAÇÃO DOS HOMENS. É preciso que homens e mulheres tenham consciência das implicações que têm os seus actos nas suas vidas. Pôr um filho no mundo requer IDEALMENTE um conjunto de condições materiais, psicológicas e afectivas que nem sempre estão reunidas na maioria dos casos em Angola. Porém fuga à paternidade atingiu níveis elevadíssimos na nossa sociedade hoje, e há cada vez mais mulheres a recorrer ao aborto pois não têm os meios de trazer mais um filho ao mundo para cuidarem sozinhas. Não é um crime, é consciência. Crime seria trazer um inocente ao mundo que desde a partida estaria condenado a uma vida de sofrimento, privação e dor. Mas para os homens tomarem consciência das suas responsabilidades, têm que ser ensinados desde pequenos que têm um papel FUNDAMENTAL a desempenhar na sociedade. A ausência de figura paterna em muitos lares é uma das principais causas da crise de valores morais neste país.
- AUMENTO DA SEGURANÇA. As mulheres são, com as crianças, os alvos mais frequentes de agressões de todo o género, e em particular sexual. Ora, eu não percebo como é que alguém que já tenha sofrido um dos piores tormentos que se possa imaginar, pode ser ainda condenada por não querer carregar para sempre a marca desta violação. Se a nossa sociedade fosse mais segura, se se conseguisse conter os agressores sexuais e pô-los fora de condições de agir de maneira PERMANENTE, talvez houvesse menos necessidade de abortos por esta razão hedionda. Mas é mais fácil bater na vítima do que encontrar e punir o agressor.
Depois destes pontos "resolvidos", ainda assim, toda a mulher deveria poder exercer um direito fundamental, o da LIBERDADE DE ESCOLHA. Pode até ter as condições materiais, psicológicas e afectivas, um parceiro pronto a cumprir com o seu papel (e não "ajudar" como se estivesse a fazer um favor), e decidir que não é o momento. É A SUA ESCOLHA.
Digo desde já que se esta lei for para a frente, as mulheres que realmente precisarem não vão deixar de abortar. Vão é recorrer a meios clandestinos, que esses nunca deixarão de existir. Vão pôr a saúde e a vida em perigo, mas vão preferir arriscar do que assumir uma responsabilidade PARA O RESTO DA VIDA para a qual não se sentem preparadas.
Senhoras e senhores legisladores, por favor, avancem para o século XXI, parem com a hipocrisia, deixem de olhar para os vossos umbigos e pensar que só os vossos modos de vida existem ou interessam. Existem neste país realidades que, por sinal, não vos passam pela cabeça. Não tornem a vida das nossas mulheres mais complicada do que ela já é.
Senhoras e senhores deputados, façam prova de bom senso. Deixem de lado o falso moralismo hipócrita que abunda por esta cidade fora, e pensem nos dramas de vida que esta lei vai provocar e/ou agravar caso seja adoptada
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Atenciosamente,

Um marido, pai, filho, irmão, primo, sobrinho, amigo muito preocupado...