lundi 1 juillet 2013

A Hora do Regresso

É uma pergunta recorrente entre os angolanos fora do País: "quando é que voltas pra banda?"
A mim foi me feita vezes sem conta. Em Paris. Em Lisboa. Em Luanda. A verdade é que o movimento migratório inverteu-se estes últimos 11 anos, e mais ainda nos últimos 6 anos. "O País está bom!", "Volta já, não estás aí a fazer nada!", "A hora de apanhar os bons empregos é agora!"



Tudo isto são argumentos bastante válidos para convencer os muitos angolanos pelo mundo fora que o momento é este. Que o País, apesar das dificuldades que ainda tem, está mais capaz de absorver os seus filhos, e sem garantir, pelo menos propor mais oportunidades de trabalho e realização pessoal do que nos anos de guerra, em que se vivia um dia de cada vez. Em Angola hoje é possível sonhar, a economia vai de vento em poupa, somos o destino de eleição de muito expatriado, alguns até com veleidades um pouco fantasistas, julgando alcançar ali um El Dorado cujos contornos não são assim tão evidentes. E num contexto mundial de crise, onde o estrangeiro onde quer que seja, e sobretudo africano, é visto como o causador de todos os males, aquele que veio "roubar o pão dos Europeus" para falar de situações que conheço, é até uma questão de resgatar alguma dignidade, este retorno à terra que é nossa, onde, bem ou mal, estamos em casa.


Mas a verdade é que todo o angolano que viveu muito tempo longe do País, não deixou de viver. E como tal criou laços, algumas raízes, hábitos, amigos, família... Por isso não devemos, apesar de a tentação ser grande, tomar a parte pelo todo, e achar que existe uma fórmula para voltar para o País em três etapas. Cada um sabe o passivo que tem que gerir para esse regresso se passar da melhor maneira, pois será uma ruptura, quer se queira quer não; cada um sabe a que ritmo tem que o fazer, as condições que tem ou que conseguirá criar no País par voltar a construir uma vida do zero com alguma estabilidade, sobretudo que vai ter que se deparar com dificuldades completamente diferentes daquelas que existem na Europa. O factor do choque psicológico, do despreparo para a "realidade Angolana" por parte de muitos dos seus filhos que voltaram depois de uma longa ausência tem levado a situações pouco agradáveis. Desde sentimentos de revolta e/ou impotência a mudanças drásticas na maneira de pensar e agir (em Roma sê Romano), levando aos mais variados resultados, desde destruturação de famílias a profundas desilusões, depressões e ataques de vária ordem. A Realidade Angolana não é fácil. Não falo só dos problemas de água e luz (que a meu ver, deveriam ser a primeira preocupação a nível de infraestruturas de qualquer País que, como o nosso, aspira ao estatuto de "Gigante" continental); não falo só da sobrelotação da cidade, dos assaltos, da dificuldade de acesso a uma moradia pela esmagadora maioria dos jovens, nem das remunerações por vezes aquém das necessidades reais das pessoas que vivem na cidade mais cara do mundo (tratando-se de Luanda, que não é, como é evidente, o único "pouso" em Angola); falo antes de tudo de um choque de culturas e mentalidades, da noção do "normal" para os locais que não é a mesma de quem viveu muito tempo fora. O que anos de luta "no terreno" faz encarar um buraco na estrada, um atraso, um incumprimento profissional como coisas banais pode fazer qualquer um passar-se da marmita. A noção de pontualidade, a noção de seriedade no cumprimento do dever, a simples noção do valor do trabalho varia muito, e quem vem de fora habituado a planificar a sua vida com base no trabalho vai ter que fazer contas à vida, encontrar esquemas paralelos, negócios e biscates para "completar" o salário. 

Por tudo isto, e por uma mera questão de bom senso, ninguém, muito menos angolanos que viveram muito tempo "cortados" da realidade quotidiana do País, deveria voltar a Angola sem ter pelo menos uma ideia do que lhe espera, e dos meios que vai poder accionar para "se safar". 

Esta manhã partiu para Angola um amigo conhecido aqui em Lisboa. amizade recente, baseada em paixões comuns, interesses comuns, e sobretudo algumas semelhanças de percurso, pensamentos idealistas e vontade de contribuir com "algo concreto" para este mundo, em particular para o nosso pequeno mundo de 1.246.700 km quadrados. Desde que ele me disse que ia voltar que as nossas conversas têm girado à volta disso, do confronto de realidades, da viabilidade do projecto de vida em Angola para pessoas "como nós". Não digo isto no sentido pejorativo, mas a verdade é que o "retornado" em Luanda, sente-se-lhe o cheiro a milhas de distância. Não pela maneira de se vestir, mas pela maneira de andar, de agir, de se movimentar naquele mar infestado de predadores, onde a carne fresca é uma presa fácil. Mas como muitos de nós, esse amigo tem lá apoios, amigos, familiares que lhe vão ajudar a ultrapassar o embate primeiro, o "choque". Porque Luanda já não é aquela que eu deixei uma noite de Outubro de 1993. A vida na nossa capital deu uma volta de 180º em 20 anos, e hoje, eu reconheço precisar de guia lá dentro (e não falo geograficamente). Em todo o caso, apenas posso desejar boa sorte e coragem aos que regressaram, aos que escolheram não fazê-lo, e aos que como eu, estão a preparar-se para tal. 


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